Reflexão


"Já não é a mesma hora, nem a mesma gente, nem nada igual. Ser real é isto" - Alberto Caeiro

"A imaginação é a rainha do real e o possível é uma das províncias do real" - Charles Baudelaire

Sunday, January 30, 2011

Luta de classe e o conflito no Magreb


Egito, Janeiro de 2011

Karl Marx afirmou que a “história universal não existiu sempre. A história considerada como história universal é um resultado”. Neste sentido, é necessário para compreendermos os conflitos que estão ocorrendo no norte da África, uma abordagem do processo histórico da região.

A região do Magreb e o Egito foram dominadas pelos muçulmanos no século VII. Desde então, a região é marcada por uma cultura ligada à arabização (o idioma é um exemplo dessa influência) e uma islamização (pautada pelo livro sagrado, o Alcorão e um código de leis chamado Sharia), que se diferenciam da nossa cultura, no sentido de visão de mundo, da prática jurídica, do modo de fazer política entre outras diferenças. No século XV, a região foi dominada e colonizada pelos europeus. No século XIX, a região foi recolonizada pelos países Imperialistas: França, Inglaterra e Alemanha que disputavam os recursos minerais. Tal processo de retirada dos recursos minerais foi acordado entre os países Imperialistas na Convenção de Madri, posteriormente, ocorreram alguns problemas devido à ganância destas potências pelo solo do Magreb, ocasionando a famosa questão marroquina, datada de 1905 - amplamente estudada pelos historiadores. A disputa pelo norte da África acabou se tornando um dos pilares da primeira Guerra Mundial (1914-1918). No decorrer do século XX, principalmente após a II Guerra Mundial (1939-1945), muitos países africanos conseguiram sua independência. Mas a independência não levou a uma ruptura brusca com as antigas metrópoles. A França continua influenciando a Tunísia e a Argélia, enquanto os EUA e a Inglaterra, o Egito.


Mapa do norte da África

Não podemos entender os protestos do norte do continente africano apenas como se eles estivessem ligados - de forma estreita - com os fatores econômicos, ou seja, questões relacionadas ao enorme índice de desemprego, a falta de escolas, saneamento básico, corrupção dos políticos e o aumento do custo de vida para todos os grupos sociais. Mas um dos resultados esperados pelos movimentos sociais é de cunho político, isto é, busca-se independência e autonomia política perante o Ocidente, que habita e influencia a região em um Neo-Imperialismo, caracterizado pela dominação política (soft power) e apoio a regimes ditatoriais na região.

As revoltas que se iniciaram na Tunísia, dentro de uma análise marxista, representam o desdobramento das forças produtivas materiais da sociedade, que se contrapõe as relações de produção determinadas na aquela região, ou seja, não deixa de ser uma luta de classe. A Tunísia foi obrigada a submete-se - para construir a estrutural vigente de produção - a um regime militar, que tem amplo apoio das principais potências do Ocidente. A França, por exemplo, realizou acordos políticos com o governo tunisiano que permitiu instalações de empresas francesas no país sem pagar os impostos ao povo tunisiano e, claro, utilizou a mão de obra barata daquele povo. Tal contexto evidencia o grau de expropriação feita ao trabalhador na Tunísia, que se tornou um instrumento do capital europeu. Mas os movimentos sociais conseguiram expulsar o ditador tunisiano pró-estadunidense, mesmo depois de muitas mortes de civis. O agora ditador (a mídia brasileira anteriormente o chamava de presidente), Zine Al-Abidini Ben Ali, ficou no poder por 25 anos e exilou-se na Arábia Saudita. Por que na Arábia Saudita? Porque lá é um reduto norte-americano e o que vale neste país, não é uma Constituição feita pelos representantes do povo, mas a vontade do rei.

Na Argélia também temos passeatas e protestos contra o governo de Abdelaziz Bouteflika - desde 1999 no poder. No Iêmen, situado na extremidade do sudoeste da Península Arábica, os movimentos contra o atual governo (desde 1990 no poder), também podem ser observados na rua. No Egito, a onda de revoltas cresce de forma vertiginosa, e o cenário no norte do continente africano fica a cada dia mais incerto. O Egito é o país mais relevante da região, devido sua economia, população e acordos políticos (principalmente com o Ocidente).

O ditador há 30 anos no poder, Hosni Mubarak, sempre teve apoio dos EUA. Mubarak, para controlar os conflitos no Egito, colocou o exército na rua e, atualmente, utiliza até aviões de guerra para tentar controlar a situação. Deve-se compreender que uma possível queda do ditador egípcio pode trazer mais conflitos, pois os questionamentos do povo islâmico provocarão, provavelmente, uma retaliação do governo espartano - chamado Estado de Israel.

Lembro ao leitor que a busca por riquezas minerais também efetivou na América do Sul, modelos similares ao que estão ocorrendo em Magreb. O correlato encontra-se nas revoltas que ocorram no Chile em 1982, quando o país já estava há quase uma década sob um regime militar. O general da morte (Augusto Pinochet Ugarte) efetivou, em 11 de setembro de 1973, um golpe de Estado a mando do presidente dos EUA, Richard Nixon. Pinochet sofreu um longo período de protestos por não conseguir manter a estabilidade econômica. Mas a DINA (Diretoria de Inteligência Nacional do Chile), para proteger a exportação de cobre para os EUA, prendeu e assassinou centenas de pessoas - muitos sem envolvimento direto com a política-, amedrontado assim, os movimentos sociais e postergando o fim ditadura militar chilena.

No caso dos países do Magreb e o Egito, o “resultado em si” das revoltas estão ligadas a uma luta pelo fim da influência ocidental na região, mas tal objetivo é apresentado ao mundo através de uma luta de classe. O domínio Ocidental é tão forte no continente africano que projetamos para aquela região (depois do fim das revoltas), um modelo de democracia como a nossa. Alguns analistas comparam os conflitos na região islâmica, como os acontecimentos do final dos anos de 1980 na Europa, quando países do leste europeu lutavam contra a Ex-URSS em busca de democracia e liberdade. Mas é óbvio que isso não vai ocorrer. É um anacronismo tal perspectiva tendo como pressuposto:

a) O nosso modelo de democracia (de forma geral) produz muita desigualdade, ou seja, não é útil para os países do Magreb;
b) O conceito de liberdade para o Islã encontra-se pautado nas normas dos clérigos e dos líderes políticos, principalmente, na vertente xiita do islamismo e,
c) O Islamismo tem uma outra forma de organização social.

Se no Egito os movimentos sociais conquistarem seus objetivos, provavelmente, não será construída uma democracia nos moldes ocidentais, e a postura será de enfrentamento ao controle norte-americano, que transformou os governos da região em uma espécie de marionete.

2 comments: